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Reproduzco con permiso de la organizadora la primera parte de este libro (pp: 9-16).
A modo de introdução As primeiras palavras costumam ser as mais difíceis, as mais áridas, as mais elaboradas, planejadas, distantes da emoção. Mas as primeiras palavras também podem ser as que saltam do coração, ridículas, despidas ou despreparadas. São essas as que escolhemos. Palavras que falem de nossos projetos, de nossos sonhos, de nossos amigos, de nossa emoção. Este livro não é feito de palavras ridículas, certamente, mas é quase uma ação entre amigos. E isso não o faz menor. Muito ao contrário. Nas suas páginas, se reúnem algumas pessoas com as quais, faz muito tempo, estamos tecendo uma rede de experiência e conhecimento a que chamamos Hispanismo. Somos alguns dos hispanistas brasileiros. Não que sejamos todos de nacionalidade brasileira, mas somos pessoas interessadas em pensar, compreender ou dizer o mundo hispânico aqui, no Brasil. A princípio, éramos professores espalhados por este país, ocupados com nossas aulas e as dificuldades de infra-estrutura. Depois passamos a uma aventura bastante quixotesca, que consistiu em acreditar que era possível criar uma rede de trocas e de alianças. Então, fundamos nossas associações regionais e começamos a nos ver periodicamente, em nossos congressos, a dar nossos primeiros passos rumo ao que vivemos hoje. Estávamos nos anos 80 e recém saíamos às ruas sem medo e com esperança de liberdade. Nesse cenário já se destacavam algumas universidades, como a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde havia cursos de pós-graduaçâo em nossa área, embora não fossem suficientes para suprir as necessidades desse país continental. Pagando, algumas vezes, nossas próprias passagens áreas e gastando longas horas em discussões que buscavam nossa identidade como grupo, fundamos a ABH, a Associação Brasileira de Hispanistas, que se reúne em outubro próximo em Florianópolis, SC, para seguir costurando essa rede hispanista. Essa Associação, para quem a conhece como a conhecemos, significa a possibilidade de tornar transparente a contribuição de cada um, de cada grupo, nesse fazer coletivo. Ela é composta, na sua maioria, por hispanistas brasileiros, o que equivale a dizer que, como associação, congrega muitos de nossos pesquisadores, reúne nossas ideias e marca um olhar diferenciado. Desde a fundação da primeira Associação Regional (a do Rio de Janeiro, em 1981) o crescimento de nossa área, no que se refere à pesquisa e à formação de professores, é tão grande que nos surpreendemos em cada congresso com o número de inscritos e a qualidade das pesquisas apresentadas. Grata surpresa, na verdade, a confirmar que o projeto inicial era cabível, embora naquele momento pudesse parecer um desvario de alguns. Marcar um olhar brasileiro ou os olhares brasileiros sobre a pesquisa e a formação de profissionais em Língua Espanhola (seja na área de Linguística ou de Literaturas) era a principal preocupação daquelas pessoas que se reuniram em Vitória e depois em Niterói para alinhavar algumas ideias dispersas e, ao mesmo tempo, comuns. E este livro que agora lhes apresentamos, de certa maneira, nasce de um processo muito parecido. Em uma das muitas travessias que fazem na ponte Rio-Niterói, esses dois professores niteroienses planejaram reunir em um único exemplar, algumas vozes uníssonas que contribuíssem para a continuidade e a memória de nosso sonho hispanista. Estão aqui alguns fundadores do projeto, a testemunhar que o trabalho continua e que somos, ainda, os mesmos quixotes desengonçados a propor debates em forma de papel. A ordem em que aparecem os artigos é quase casual. Houve, apenas, o cuidado na distribuição de áreas. Há quatro textos da área de Lingüística e, por isso, eles servem de guia a essa ordenação. Esses quatros textos — os de Edleise Mendes, Maria Luisa Ortíz, Ucy Soto e Neide González — formam uma espécie de espinha dorsal, a equilibrar a distribuição dos demais. Os de Literatura — de Ana Beatriz Gonçalves, António Esteves, Heloisa Costa Milton, Silvia Inés Cárcamo, Lívia Reis, Mário Gonzáiez, Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento, Lygia Rodrigues Vianna Peres e Alai Garcia Diniz — foram encaixados na medida em que chegavam, à busca de um espaço em que se acomodassem, já que nossa ideia não era a de construir uma linha temática. Acreditamos que esteja claro que o fio condutor que amarra o conjunto dos textos é, portanto, o Hispanismo. Ou seja, este livro nasce do desejo de reunir alguns autores que pesquisam questões linguísticas ou literárias em Língua Espanhola no Brasil. Por isso selecionamos autores de diferentes universidades, aquelas que têm programa de pós-graduação na área, responsáveis, portanto, pela formação de profissionais e pesquisadores. Excetua-se, certamente, a proposta de Edleise Mendes, recém-doutorada pela Universidade Estadual de Campinas e professora de Português para Estrangeiros na Universidade Estadual de Feira de Santana. Sua presença se deve ao fato de ter escrito uma excelente tese onde estabelece um diálogo que muito nos interessa: ensinar/aprender português a falantes hispânicos. Sua contribuição, portanto, pareceu-nos bastante pertinente para essa conversa que estamos possibilitando. Ainda na área de Linguística, Maria Luisa Ortíz, da Universidade Nacional de Brasília, recente e eficiente fórum de produção académica na área de Língua Espanhola, com destaque para Linguística Aplicada e Tradução, contribui com um texto a nos falar da importância de expressões idiomáticas na aquisição de línguas próximas, como é o caso do Portugués e Espanhol. Ucy Soto, da Universidade Federal Fluminense, cujo Programa de Pós-graduação em Língua Espanhola é bastante recente na área de Linguística Aplicada, embora venha se consolidando em Literaturas Hispánicas desde os anos 90, recolhe em seu artigo títulos de dissertações e teses na área de Linguística escritas no Brasil a partir dos anos 60, para nos propor uma classificação que nos permite compreender o desenvolvimento dessa área de saber em território nacional. O quarto e último artigo na área de Linguística é de Neide Gonzáiez, da Universidade de São Paulo, centro de excelência na formação de pesquisadores em Língua Espanhola, em especial na área de Literaturas, e responsável pela formação de muitos profissionais das Universidades Públicas Brasileiras. Também em seu artigo, podemos acompanhar a evolução qualitativa e quantitativa da pesquisa em Língua Espanhola no que se refere aos estudos linguísticos. Tanto o artigo de Neide González como o de Ucy Soto revelam a efervescência de pesquisas em estudos linguísticos, embora não tenha sido sempre esse o cenário nos programas de pós-graduação de nosso país. Durante muitos anos foi difícil conseguir um orientador que pudesse e quisesse orientar trabalhos nessa área, considerando a credibilidade que os estudos literários receberam/recebem no cenário académico. Talvez por isso mesmo, ainda que possamos acreditar que essa distribuição tende a ser mais homogénea, neste livro o número de artigos sobre Literatura supera, em muito, os de Linguística. Na área da Literatura, ou das Literaturas em Língua Espanhola, prevaleceu, ainda, a orientação de reunir trabalhos que veiculam aspectos da pesquisa em Literatura Espanhola e Hispano-Americana que se realizam nas universidades brasileiras, igualmente sem a pretensão de organizar uma linha temática. Abrindo o elenco de trabalhos voltados para os estudos literários, apresentamos a reflexão da Professora Ana Beatriz Gonçalves, da Universidade Federal do Espírito Santo, que além de propor uma análise das mudanças que o conceito de poesia negra vem sofrendo na América Latina, indica também as tendências atuais no âmbito da pesquisa sobre poesia negra latino-americana. Do produtivo centro de pesquisas em Literaturas de Língua Espanhola, sustentado pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual de São Paulo/Campus de Assis, provêm mais dois trabalhos publicados no âmbito dos estudos literários. O primeiro destes é o instigante texto do Professor António Esteves, propondo um estudo comparativo entre Concierto barroco (1974), do consagrado escritor cubano Alejo Carpentier, e Ana em Veneza (1994), do brasileiro João Silvério Trevisan. No segundo trabalho do núcleo da UNESP/Assis, dando continuidade à reflexão sobre as relações entre história e ficção que vem ocupando boa parte de sua produção académica, a Professora Heloísa Costa Milton nos brinda com uma leitura do romance No serán Ias índias (1988), de Luisa López Vergara, que reconstitui os sete anos de perambulaçáo de Cristóvão Colombo pela corte espanhola, até o momento de aceitação do seu projeto ultramarino. Silvia Inés Cárcamo, Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas/Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é a responsável pelo quarto trabalho no âmbito dos estudos literários. Acompanhando a trajetória do pensamento de Eduardo Subirats, a pesquisadora demonstra como esse escritor revela fidelidade ao programa da "filosofia crítica", partindo dos primeiros ensaios difundidos no contexto das controvérsias culturais da década de setenta até as polémicas intervenções da atualidade. O sétimo texto deste nosso Tecendo o Hispanismo — quinto na área dos estudos literários — contempla a apresentação da importante pesquisa que vem sendo desenvolvida pela Professora Lívia Reis, da Subárea de Literaturas Hispânicas do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense. Ao enfocar a trajetória do discurso crítico latino-americano com as lentes da abrangência, a pesquisadora percorre nossa história literária e cultural, buscando levantar momentos em que o diálogo Brasil/América Hispânica tenha acontecido de forma efetiva. O Professor Mario González, atual Presidente da Associação Brasileira de Hispanistas e pesquisador da Universidade de São Paulo, é responsável, no Brasil, pela densa e consistente reflexão crítico-teórica sobre o romance picaresco e sua presença na historiografia e na teoria literárias. Neste trabalho, apresenta uma reflexão comparativa entre a génese do romance moderno e o romance picaresco, dando atenção à sua continuidade e permanência. Os dois trabalhos que se seguem provêm, igualmente, da Subárea de Literaturas Hispânicas da Universidade Federal Fluminense, No primeiro, a Professora Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento, com grande sensibilidade e senso de oportunidade, propõe uma discussão sobre o ensino de Literaturas Estrangeiras no Brasil, privilegiando as Literaturas Hispânicas e refletindo sobre as razões e formas pelas quais alunos e professores brasileiros podem e devem abordar tais literaturas como objeto de estudo no horizonte cultural do Brasil. No segundo, a Professora Lygia Rodrigues Vianna Peres dedica-se a examinar e analisar a polémica ocorrida no século XVII entre a pintura, a escultura e a arquitetura, quando dramaturgos como Lope de Vega e Calderón de la Barca encontraram na pintura de retratos o substituto da pessoa amada, uma vez que o amante não podia tê-la ao vivo. Para encerrar o grupo de trabalhos no campo dos estudos literários, publicamos a interessante pesquisa da Professora Alai Garcia Diniz, da Universidade Federal de Santa Catarina. Partindo de uma perspectiva intersemiótica, o trabalho da pesquisadora confronta e estuda o corrido, o rap e a ratoeira, como expressões fundamentais de vozes subalternas que encenam a pluralidade poética. Esses treze trabalhos são, apenas, uma mostra do que se faz, hoje, no Brasil. São muitos os pesquisadores que ficaram de fora deste livro. Não por nossa vontade, certamente. O espaço que dispúnhamos não foi suficiente para reunir todas as vozes que ecoam no cenário académico de nosso país. Se por um lado, essa incompletude nos deixa tristes pela ausência de alguns que por diversas razões não puderam unir-se a nós, por outro, isso significa que o número de pesquisadores vem crescendo de tal maneira que já não podemos nos reunir sem que precisemos de mais espaço. Ficam aqui nossas desculpas aos que não puderam participar dessa conversa sobre o Hispanismo, feita em território nacional brasileiro, e fica, também, nosso desejo de que outros projetos venham continuar a rede que, modestamente, iniciamos. |
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